Dá para mudar o mundo numa manhã de sábado

– Qual é o seu sonho?

No último sábado, uma criança me fez essa pergunta. Só as crianças têm a coragem de fazer questões desse porte sem rodeios. Dentro de uma simples interrogação assim, reside um chamado ao que há de mais profundo. A criança de olhos brilhantes queria saber o que me move. O que me faz acordar pela manhã todos os dias. Sim, essa criança queria que eu expressasse o melhor de mim. O supra-sumo do tal André.

A pergunta surgiu durante uma conversa que tive com jovens da 6ª série do colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo. As poucas horas de duração do encontro foram equivalentes a uma pós-graduação em entusiasmo. Até as crianças mais tímidas têm um olhar que transborda curiosidade por todos os lados. E aqueles estudantes de 11 e 12 anos tiveram a sorte de ter uma professora com qualidades de criança.

Na sua curiosidade infinita, Paula Marques levou para a sala de aula a matéria intitulada “Dá para mudar o mundo na hora do almoço?”, publicada na Vida Simples de julho. Era o relato de intervenções que fiz nas ruas. Entre outras ações, saí pelas calçadas lendo poemas para as pessoas. O objetivo? Causar impactos positivos pela cidade e instigar que repensemos as possibilidades de contato humano no dia a dia. As crianças trabalharam a matéria na sala de aula, leram e releram. Paula sugeriu: “E se recriássemos essa matéria com novas ações?”.

As crianças toparam na hora. Assim surgiu a atividade: “Dá para mudar o mundo na hora do intervalo?” Alguns estudantes criaram um projeto para diminuir a fofoca no recreio. Outro grupo pensou em atividades para influenciar os amigos a não jogarem lixo no chão. Uns imaginaram uma maneira de motivar os colegas a resolverem os problemas sem socos nem pontapés. Outros elaboraram ações para que os alunos que ficam sozinhos na hora do intervalo tenham com quem brincar e conversar. E não foram só essas as ações que surgiram. Mais ideias nasceram, foram experimentadas e continuarão sendo colocadas em prática – as crianças fizeram até cronogramas de implementação das ações ao longo do segundo semestre.

O que mais me marcou foi o modo como as crianças explicaram os projetos. Nas suas palavras havia uma profundidade característica de quem domina o assunto que está falando. Havia uma verdade viva. “Você já tinha pensado que podia fazer alguma ação para transformar o mundo?”, perguntei para um dos jovens. A resposta foi direta: “Não. Mas agora sim”.

Durante a conversa com eles, também discuti a importância de não acharmos que vamos salvar o mundo da noite para o dia, como os super-heróis dos quadrinhos. Ser a mudança que queremos ver no mundo demanda que nos transformemos, que olhemos não só para fora, mas também para dentro, e aprendamos com os sucessos e as frustrações.

E na hora que a jovem de olhos brilhantes perguntou sobre meu sonho, parei alguns segundos para pensar. Pergunta difícil para alguém como eu, que tem tantos sonhos. Na minha resposta, usei uma frase do Fernando Pessoa: “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”. As crianças sorriram. Talvez se questionaram como cabe tanta coisa dentro de uma pessoa. Ou não. O mais provável é que elas entendam essa frase ainda melhor do que eu e o Fernando Pessoa juntos.

[Este texto é um agradecimento aos estudantes do colégio Visconde de Porto Seguro e à professora Paula Marques]