Morin e o mar

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Hoje me senti como o mar. Em ondas. Ouvir o francês Edgar Morin me gerou um entusiasmo agudo, como se bexigas de água estourassem no meu peito. Depois de ouvi-lo, suas palavras voltaram à cabeça durante o dia inteiro, em ondas ruidosas e encorpadas.

A palestra de Morin aconteceu no Rio de Janeiro, num evento chamado Educação 360. O oceano Morin, do alto dos seus 93 anos, exala vigor pelos poros e palavras. Suas frases são ondas de vitalidade. Na primeira onda, ele falou que Rousseau definiu há um bom tempo o papel da educação, que é o de ensinar a viver — a viver bem, que fique claro. Numa outra onda, falou que o imperativo atual é conectar as pessoas e espaços. Que se não desenvolvermos o “nós”, o “eu” vai ficar ressecado. Que não só o indivíduo está na sociedade, mas a sociedade está também no indivíduo. Que não há paixão sem razão, nem razão sem emoção. Que todo conhecimento é uma tradução que se segue a uma construção. Que as palavras são traduções e reconstruções. Que é fantástica a capacidade do homem na criação de ideologias. Que devemos cultivar um conhecimento que seja capaz de ver múltiplos aspectos da realidade. Que as realidades são ambíguas. Que o conhecimento é multidimensional. Que enganar-se pode levar a desastres. Que é urgente desenvolvermos uma vigilância cuidadosa que diminua os nossos enganamentos constantes. Que entre um emissor e um receptor é preciso que haja um código em comum. Que as pessoas têm uma incompreensão profunda sobre quem é o outro. Que nós não ensinamos a autocompreensão e temos a tendência de jogar a culpa no outro. Que compreender nossas fraquezas e defeitos nos ajuda a compreender o outro também. Que há um ponto fundamental: o outro é ao mesmo tempo semelhante e diferente de nós. Que há uma identidade humana comum profunda e ao mesmo tempo a singularidade de cada homem e mulher. Que precisamos reconhecer a diversidade como o tesouro da humanidade. Que sempre houve incertezas na vida. Que não sabemos quando vamos morrer. Que hoje vivemos numa época com incertezas mais acentuadas. Que a certeza de um futuro melhor não é garantida. Que a escola não nos ensina a enfrentar as incertezas. Que o improvável é mais provável do que o provável. Que toda decisão é uma aposta. Que navegamos num oceano de incertezas com arquipélagos de certezas. Que devemos ensinar como abraçar a vida pelo amor. Que vivemos a crise da humanidade que não consegue ser humanidade. Que antes criavam produtos para consumidores e hoje criam consumidores para produtos. Que é urgente educar de um jeito que as pessoas percebam sua capacidade de escolher. Que há uma intoxicação consumista. Que é preciso nos educarmos para aprender a lidar com a internet. Que a educação deveria se ligar ao pensamento complexo. Que vivemos numa comunidade de destino planetário. Que os seres humanos têm algo em comum. Que devemos sentir que cada um de nós faz parte de uma aventura incrível, que é a aventura humana — e que começou há milhões de anos quando um primata se tornou bípede e desenvolveu o uso das mãos. Que depois depois de nos tornarmos bípedes, houve o aparecimento da linguagem. Que as pequenas sociedades antigas levantaram vários impérios — astecas, incas, impérios no Oriente Médio, China, Índia. Que apareceram artes, filosofia, monumentos, escravidão, hierarquia, guerras, globalização. Que a história humana é extraordinária. Que a história humana nos conduz a um destino que desconhecemos. Que não queremos um paraíso, mas uma realidade melhor para superar as principais carências. Que há células no nosso corpo que nasceram há quatro bilhões de anos. Que continuamos a história do universo, já que somos feitos de moléculas, que são feitas de átomos, que são feitas de partículas que começaram há quinze bilhões de anos. Que a aventura do universo, da vida e da humanidade é desconhecida. Que há prosa e poesia na vida. Que a prosa é o que fazemos por obrigação. Que a poesia é aquilo que nos exalta, é a comunhão recusada a tantos milhões de pessoas. Que precisamos ter consciência da reforma indispensável que deve ser feita por nós. Que professores não conhecem o mundo adolescente. Que para ensinar é preciso ter amor e comunicá-lo entusiasmadamente. Que os professores estão fechados nas suas disciplinas. Que é preciso uma nova formação de educadores. Que estamos na pré-história da reforma dos nossos tempos, à procura de um novo caminho. Que a avaliação é uma prática arbitrária. Que há a necessidade de uma reforma global em todos os aspectos. Que não existe mais sentido nas hierarquias que permanecem até agora. Que Montaigne dizia, no século XVI: todo homem é meu compatriota. Que deveriam existir casas de solidariedade em cada esquina, para as pessoas se encontrarem e lidar com seus sofrimentos. Que a juventude pode dedicar mais tempo para serviços cívicos. Que não podemos achar que existe uma única solução. Que podemos avançar com múltiplas reformas para abrir uma nova via para a civilização.

Tantas ondas. Tantas vias para ondear.

Hoje me senti como o mar. Em ondas. Ouvir o francês Edgar Morin me gerou um entusiasmo agudo, como se bexigas de água estourassem no meu peito. Depois de ouvi-lo, suas palavras voltaram à cabeça durante o dia inteiro, em ondas ruidosas e encorpadas.

Um pensamento sobre “Morin e o mar

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