manifesto das miudezas

fósforo

há demasiado perigo no delírio de grandeza
que despreza a escala animal
que ignora a miudeza
que levanta belos montes sem nada de beleza
que invade mariana
lama
lama
lama
lama
na correnteza

resgatemos os pés como unidade de medida
resgatemos as portas de saída
resgatemos a alma das coisas-aqui
resgatemos yanomami e tupi
resgatemos a miudeza na mira do contato
resgatemos o desconhecido como habitat

porque o pequeno não é banalidade
porque dentro de um palito de fósforo dorme fogo suficiente para incendiar sua casa inteira
porque miudeza é feita da matéria do detalhe
porque o olho se movimenta mais quando encontra um cisco
porque não dá para buscar miudezas, mas apenas ser encontrado por elas
porque miudezas nos desarranjam e, na desorganização, há uma chance de esbarrarmos em nós mesmos
porque miudezas pedem que olhemos seu avesso
porque miudeza é sinônimo de intimidade
porque proximidades somam a gente para mais
porque crianças, barros e formigas são mestres da indisciplina das miudezas
porque o parto em que nasceu a primeira bolinha de gude foi uma festa
porque sem intimidade a aldeia morre
porque agora é hora de desentulhar a estrada da imaginação
porque a palavra miudeza vem do tupi miudezí, que significa encantamento
porque sem encantamento a aldeia morre
porque miudeza é porta de entrar silêncio
porque rastro de flor é pétala
porque em tempestade de ruído, silêncio é ponta de sol
porque sem as formigas o chão respiraria menos
porque o respeito pelas miudezas tornaria o cuidado com as grandezas uma consequência natural
porque sequoias nascem de sementes
porque oceano acontece quando gotas se encontram
porque dá para confundir estrela com vaga-lume
porque a lua cabe dentro do nosso olho
porque considerar que alguém não está à sua altura é perverso
porque não é justo ficar na ponta dos pés para olhar quem é da sua altura
porque quem planta miudeza, colhe inesperado
porque miudeza rima com boniteza, mas também com estranheza
porque miudezas nos ensinam a prestar atenção nos “derrepentes”, naquilo que salta perto
porque não dá para se aproximar das miudezas se quisermos controlá-las
porque miudezas são tão frágeis que, se tentamos controlá-las, elas escapam
porque precisamos aprender a lidar com o que escapa, sendo que tudo escapa

* acompanhe o jornal das miudezas por aqui.

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